
Por Itala Daniela – Psicóloga e docente UniFavip
A aterrissagem na humanidade foi a grande apresentação de Simone Biles e espantou aqueles que acompanham as Olimpíadas de Tóquio 2020.
Algumas especificidades dessas olímpiadas: primeiro é vermos o número 2020 em todas as apresentações. A pandemia, que desprogramou o mundo, diminuiu a pressa e reprogramou os relógios mudou a data de um evento; segundo: um evento marcado por superações de tantos atletas, que foram vítimas da Covid, de cirurgias e que passaram por diversas dificuldades nos treinamentos e conseguiram chegar as competições e conquistaram medalhas; terceiro: uma das maiores estrelas da festa, aquela que o mundo havia depositado várias expectativas, desistiu da competição por questões de saúde mental.
Em coletiva, disse Biles: “tenho que colocar minha saúde mental como prioridade. Não vejo problema em desistir de grandes competições para focar em mim mesma porque mostra minha força como competidora e como pessoa”.
Enquanto isso, o mundo se pergunta: Como uma atleta de alto rendimento, uma potência mundial, pode desistir de competir num evento mundial?
Eu mudaria a pergunta: quantas vezes você não quis desistir de algo, mas teve medo de fazê-lo porque as pessoas esperavam muito de você e você não conseguia dizer não? Muitas pessoas não desistem por medo de serem julgadas como frágeis, medo de perderem status, prestígio e/ou reconhecimento. Medo de perderem pessoas e oportunidades.
No cenário atual, da positividade tóxica, dos altos níveis de cobranças, da busca por performances excelentes, produtividade e ininterrupta proatividade, podemos resvalar na desumanização do humano. Passamos a acreditar que temos que dar conta da expectativa do mundo ainda que, para isso, precisemos perder a fronteira do nosso limite, do nosso espaço de cuidado físico e mental. Ainda que precisemos sofrer, chorar e sentir dor.
O que Biles nos ensinou foi o oposto. Ela deu um duplo carpado para dizer que é necessário reconhecer os limites, cuidar de si, dar atenção as demandas psicológicas – ainda que assim seja preciso frustrar as expectativas do mundo.
Para a Psicologia, sobretudo clínica, essa é uma atitude de extremo cuidado consigo e é realizado por aqueles que conhecem suas histórias de vida, dores, medos e possibilidades. Por aqueles que, ao revisitarem suas histórias, perceberam que pensar em si não é egoísmo, mas, antes de tudo, zelo pela existência. E acredite: só os que têm muita coragem e autoconhecimento conseguem dar esse salto histórico e cravar na terra assumindo o ser humano que é.
Mesmo que você tenha se preparado muito tempo para algo, mesmo que você tenha dedicado esforço, desistir não é apagar uma história, antes de tudo é evidenciar que você reconhece tanto a sua singularidade e a sua vida que nesse momento o melhor é fazer outras escolhas.
Simone Biles, a atleta que cravou humanidade e evidenciou a saúde mental em 2020. Ops… 2021.
